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A magia dos contos orientais.
Baseados numa profunda observação psicológica, os seus temas são eternos.

A Chave da Felicidade
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Um conto oriental
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Deus sentia-se muito só. Para superar a sua solidão, tinha criado uns seres que lhe faziam companhia. Mas esses seres sobrenaturais encontraram a chave da felicidade e fundiram-se com o Divino, que voltou a ficar só e sumido no seu triste sentimento de solidão. Reflectiu demoradamente. Era Deus mas não queria estar sozinho. Pensou que tinha chegado o momento de criar o ser humano, mas intuiu que este poderia encontrar a chave da felicidade, que descobriria o caminho até Ele e com Ele se fundiria.
Não, não queria ficar só outra vez.
Perdurou no seu pensamento e perguntou-se onde poderia esconder a chave da felicidade para que o Homem não a pudesse encontrar. Não era fácil. Primeiro pensou ocultá-la no fundo do oceano, depois numa caverna nos Himalaias, depois noutra galáxia. Mas estes lugares não o satisfaziam.
Passou a noite em claro, perguntando-se onde seria o lugar mais seguro para esconder a chave da felicidade. Sabia que o ser humano acabaria por descer ao oceano mais abismal e que a chave não estaria segura aí. Também não estaria segura numa gruta nos Himalaias porque, mais cedo ou mais tarde, o Homem escalaria até aos cumes mais elevados e encontrá-la-ia. Nem sequer estaria segura noutra galáxia, já que o Homem chegaria a explorar os vastos universos.
Ao amanhecer, continuava a perguntar-se onde ocultá-la. E quando o Sol começava a desvanecer a bruma matutina com os seus raios, de súbito ocorreu-lhe um lugar no qual o ser humano nunca procuraria a chave da felicidade: dentro de si mesmo. Criou então o ser humano e, no seu interior, colocou a chave da felicidade.
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In
Os Melhores Contos Espirituais do Oriente (pág 20)
por Ramiro Calle
Tradução de Margarida Cardoso de Meneses
Ed A Esfera dos Livros, 4ª ed, 2010
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Notas:
1- Na minha transcrição, abri alguns parágrafos para dar respiração à mancha gráfica do texto. No original não há parágrafos.
2- A imagem inicial deste post foi retirada de:
https://aoikuwan.com/
3- A magia dos contos orientais começou a seduzir-me desde que, ainda muito nova, em tempos da faculdade, um grande amigo me ofereceu as “Histórias Maravilhosas do Oriente”, uma colectânea de contos orientais organizada por Pearl Buck (Livros do Brasil).Também Marguerite Yourcenar se interessou e divulgou esta sabedoria milenar, publicando “A Salvação de Wang Fô e Outros Contos Orientais” (Biis).
Sobre o alcance psicológico e psicanalítico da sabedoria milenar do Oriente há grandes estudos, nomeadamente a “Psicanálise dos Contos de Fadas”, de Bruno Bettelheim (Bertrand).O multifacetado artista chileno-francês Alejandro Jodorowsky (1929) reúne em “Sabedoria dos Contos” (Pergaminho), uma série de contos orientais e sufis, judeus, indianos, chineses, budistas, e as inevitáveis histórias de Mulla Nasrudin, dando-nos no final de cada conto uma interpretação ou antes, uma aplicação psicanalítica que poderemos pensar e integrar no nosso complexo de considerações sobre nós próprios e a vida em geral.
As próprias fábulas atribuídas a Esopo (final do séc VII ou inícios do VI aC) pela tradição ocidental, e depois transpostas para Latim por Fedro (séc I dC), enraízam-se nessa sabedoria que abrangia o mundo da Antiguidade numa larga faixa territorial que abrangia da Índia e Pérsia ao Médio Oriente. A tradição das fábulas prolongou-se na cultura europeia, não sendo necessário recordar o papel que nessa voga teve Jean de Lafontaine (1621-1695).
Por outro lado, a famosa recolha árabe das “Mil e Uma Noites”, que só se tornou conhecida no ocidente a partir da tradução francesa de 1704, do orientalista Antoine Galland, foi iniciada no séc IX, e também contém histórias de várias origens, incluindo a Índia, a Pérsia e a própria Arábia.
Por comodidade, retiro a informação do site da FNAC:(…) ‘Os mestres espirituais da Índia foram os primeiros a servirem-se da narrativa, para instruir espiritualmente os seus discípulos. A maioria destas narrativas é milenar e anónima e foi sendo transmitida de forma oral, de mestre a discípulo, durante séculos. Em poucas palavras, estes contos partilham conhecimentos fundamentais e profundos que abrem a mente e o coração, e podem ser interpretados consoante a perspicácia e o grau de maturidade mental de quem os escuta. O autor (Ramiro Calle) fez mais de setenta viagens à Ásia onde recolheu os melhores contos orientais. ‘
http://www.fnac.pt/Os-Melhores-Contos-Espirituais-do-Oriente-Ramiro-Calle/a149220

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Publicado por
© Myriam Jubilot de Carvalho
Dia 2 de Outubro de 2016, pelas 12h 50m
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