Três Poetisas Portuguesas
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Maria Browne
Branca de Gonta Colaço
Oliva Guerra
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Tenho muitas vezes o gosto de folhear a
“antologia das mulheres poetas portuguesas”, uma antologia preciosa, organizada por António Salvado, e que tem para mim o valor afectivo de ter sido prenda de aniversário que os meus Pais me ofereceram quando fiz 18 anos.
Ultimamente, tenho recorrido a esta obra com o propósito expresso de pesquisar nomes que me facultem enriquecer a minha colaboração no blogue dos Poetas Esquecidos, oportuna e valiosa iniciativa da Inês Ramos, que daqui mais uma vez, com amizade e apreço, volto a felicitar!
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Deixo então, em primeiro lugar, uma nota sobre as Poetisas que desta vez seleccionei:
MARIA BROWNE – 1797 / 1861
Natural do Porto. Maria da Felicidade do Couto Browne ficou conhecida pelos pseudónimos que usava, «A Coruja Trovadora» e «Soror Dolores».
No seu salão literário, reunia algumas das mais importantes personalidades intelectuais do Porto da época, como Arnaldo Gama, Ricardo Guimarães, ou Faustino Xavier de Morais, e também Camilo, que lhe terá despertado profunda paixão.
Apesar de existirem 3 edições da sua Poesia, nunca elas entraram no mercado.
É de salientar que Maria Browne forma, com Soares de Passos, o díptico mais notável do Ultra-Romantismo português, notando-se em Maria Browne uma mais visível atmosfera de modernidade.
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BRANCA DE GONTA COLAÇO – Lisboa, 1880 / 1944
Branca Eva de Gonta Syder Ribeiro Colaço era filha do poeta Tomás Ribeiro, o autor de “D. Jaime”, e da poetisa inglesa Ann Charlotte Syder. Casou com o pintor e azulejista Jorge Rey Colaço. Foram seus filhos o escritor Tomás Ribeiro Colaço e a escultora Ana de Gonta Colaço.
Branca de Gonta Colaço contribuiu activamente para um grande número de jornais e revistas.
A sua obra multifacetada, reconhecida em Portugal, Brasil, França e Espanha, abrange não só a Poesia, mas também o Drama e as Memórias, e dá-nos um valioso retrato das elites sociais e intelectuais de que fez parte.
Quanto à sua poesia, simples e límpida, salienta-se pela delicadeza subtil, sendo o sentido do fluir do tempo um dos seus principais temas.
Entre outras obras, legou-nos:
1907 – Matinas
1912 – Canções do Meio-Dia
1918 – Hora de Sesta
1926 – Últimas Canções
1945 (póstumo) – Abençoada a Hora em que nasci
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OLIVA GUERRA – Sintra, 1891 (ou ’96) / 1982
Oliva Correia de Almada Meneses Guerra foi aluna de Viana da Mota e pianista admirada.
Foi poetisa, musicóloga, cronista, e teve intervenção de relevo na vida cultural da região, de tal modo que a Câm. Mun. Sintra instituiu o Prémio Literário Oliva Guerra, para Poesia, em 1992.
Que eu tenha conhecimento, a sua obra é composta por:
1922 – Espirituais;
1926 – Encantamento;
1933 – Serenidade;
1944 – Fonte Distante;
1956 – Silêncio
Quanto à escolha dos poemas:
Deve-se aos seus temas:
– O poema de Maria Browne, por conter uma definição do que seria para ela o seu conceito de “inspiração”, que eu acho delicioso.
– O de Branca de Gonta Colaço, por parecer estruturar-se no tom dos textos sagrados, que tanto aprecio.
– O de Oliva Guerra, por transmitir aquele sentimento de nostalgia que nos inspiram as casas abandonadas, em ruínas, que eu também sinto.
De Maria Browne
O ESTRO
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O estro é fogo ardente;
É o elo refulgente
Que nos une ao Creador;
Foi por Deus predestinado,
Eleito o vate, inspirado
Nos hinos do seu louvor;
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Nessa mística beleza
Alma e luz da natureza;
Nessa abobada celeste
De imensos sóis matizada,
De prodígios semeada
Que o puro éter reveste;
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Nesses bosques de verdores,
Nessas campinas de flores;
Nos rochedos que têm brado;
No lago sempre dormente;
Ou do rio na corrente;
Ou no mar sempre agitado;
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Ou na aragem carinhosa
Que, de noite, vem da rosa
Afagar lindo botão,
Para a não corar de pejo,
Ao libar-lhe em doce beijo
A suave exalação;
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Quer na maga primavera,
Que ternura em tudo gera;
Quer no estio; quer no Outono,
Quer na estação da geada,
Em que, exausta, e fatigada,
Volve a natureza ao sono.
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O estro dá claridade,
Dá fulgor à escuridade;
Ao silêncio mais profundo,
Encantadora harmonia;
Graça e amor em tudo cria,
Faz sair do “nada” um mundo!…
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Pode tudo imaginar;
Do futuro o véu rasgar;
Dar à fama a eternidade…
Mas lá finda esse poder,
Que Deus lhe quis conceder,
Num sopro de divindade!
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Da obra “Canções do Meio-Dia”
de Branca de Gonta Colaço
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VERSÍCULOS
I
Vai desfilando a procissão dos dias…
e os dias levam factos em andores…
II
E com factos cimentam teorias
os Escribas, os Sábios, os Doutores…
III
E almas ligeiras, simples, erradias,
vão sobre os factos desfolhando flores…
IV
Cravos e rosas para as alegrias,
goivos e lírios para os dissabores…
V
E soluçantes, pálidas, sombrias,
vão pelos dias perpassando as dores…
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De Oliva Guerra,
AQUELA CASA
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Aquela casa fechada…
Que mistério há dentro dela?
Parece que foi roçada
por uma asa de agoiro.
Nunca se abre uma janela
naquela casa sombria
que a luz das estrelas de oiro
não beija nem alumia.
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Detrás das suas paredes
ressoaram risos outrora,
houve cantos e alegria
cujos ecos inda agora
eu sinto no coração.
Mas tudo hoje é triste e mudo
– que a morte num repelão
passou por ali um dia
e deixou sombras em tudo.
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Oh, quantas saudades mortas
escondem as velhas portas
dessas casas sem ninguém!
No silêncio delas todas
vibram as vozes perdidas
das horas gastas, queimadas,
que são quais casas fechadas
ao longo das nossas vidas.
Imagem:
http://www.forumuniversitaire.com/images/Bible%20gen%E8ve-Big.jpg
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Notas que retirei da citada
“antologia das mulheres poetas portuguesas”;
de António Salvado;
Edições Delfos, s/d;
e enriqueci com consultas na Net, nomeadamente a Wikipedia, e a Infopedia
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Páginas da Antologia, respectivamente:
– pág 83 e seg
– pág. 119 e seg
– pág. 144 e seg
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Dia 29 de Junho de 2012, pelas 15 h
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